terça-feira, 6 de abril de 2010

Mas um pouco de mim, amo esse tema.

Em ambiente de terapia intensiva a sepse tem se tornado a principal causa de IRA. Num estudo prospectivo, a incidência de IRA foi de 19% em pacientes sépticos, 23% naqueles com sepse grave e de 51% em pacientes com choque séptico. A IRA na sepse é geralmente um dos componentes da síndrome de disfunção de múltiplos órgãos e sistemas e a sua presença afeta adversamente o prognóstico destes pacientes. Na fase inicial da sepse alguns pacientes apresentam poliúria inapropriada sem insuficiência renal e na ausência de alteração no fluxo sangüíneo renal. Numa fase mais tardia, a diminuição da resistência vascular sistêmica parece precipitar a IRA associada à retenção de sódio. Neste estágio, a otimização dos parâmetros hemodinâmicos é capaz de restabelecer adequadamente a função renal. A medida que a duração e a gravidade da sepse são perpetuadas, a isquemia, aliada às alterações hemodinâmicas, determinam o quadro de necrose tubular aguda (NTA) e insuficiência renal aguda não reversível. A NTA é o padrão histológico mais comum de IRA nesta situação.
Habitualmente esses pacientes são hipercatabólicos e apresentam elevadas taxas de geração de uréia, necessitando assim sessões de diálise mais intensas e freqüentes, sem possibilidade de remoção de líquidos devido a instabilidade hemodinâmica freqüentemente associada. Distúrbios da coagulação, independentemente da disfunção plaquetária presente na uremia, também ocorrem, o que favorece o surgimento de eventos hemorrágicos durante o uso de anticoagulante no circuito extracorpóreo, de maneira mais usual a heparina.

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TRATAMENTO NÃO DIALÍTICO NA IRA
• Diuréticos
Os diuréticos de alça são freqüentemente utilizados na IRA oligúrica com a finalidade de tratar a hipervolemia e, algumas vezes, de transformá-la em não-oligúrica. A despeito da administração de diuréticos promover aumento do volume urinário e algumas vezes até poliúria, o uso desta classe de fármacos não parece prevenir ou acelerar a recuperação da IRA, nem diminuir a necessidade de diálise ou reduzir a mortalidade2. A infusão contínua parece apresentar maior eficácia e menor incidência de efeitos colaterais do que com o uso de doses intermitentes.

TRATAMENTO DIALÍTICO NA IRA
Classicamente, as principais indicações de diálise no paciente com IRA, incluindo aqueles com sepse, são as mesmas aplicadas para aqueles com insuficiência renal crônica (IRC): hipervolemia e hipercalemia refratárias ao tratamento clínico, uremia e acidose metabólica grave. Até o presente, não se recomenda o início de diálise baseado em níveis determinados de creatinina, uréia ou débito urinário. Mais recentemente, há uma tendência para se indicar diálise mais precocemente nos indivíduos com IRA, evitando-se o surgimento de complicações em virtude da gravidade nesta população específica de indivíduos.

INDICAÇÃO NÃO RENAL DE DIÁLISE NA SEPSE
A resposta inflamatória sistêmica presente na sepse depende, ao menos em parte, da produção e liberação de uma série de mediadores (citocinas, quimocinas, componentes do sistema complemento, leucotrienos, prostaglandinas, etc.) no plasma de pacientes com sepse. Sendo assim, alguns autores têm preconizado o emprego de terapias de depuração extracorpórea, particularmente a hemofiltração contínua, neste cenário, propiciando assim a eliminação destes mediadores através do ultrafiltrado. Alguns trabalhos têm demonstrado efeitos benéficos da hemofiltração sobre os parâmetros hemodinâmicos e o desfecho em modelos experimentais de sepse.
Hemodiálise Intermitente
A hemodiálise intermitente é ainda a modalidade padrão utilizada no tratamento da IRA. Ela é muito efi caz, proporciona depuração elevada de uréia, e a aquisição de inovações, como controle volumétrico de ultrafi ltração e dispositivos de variação de sódio e bicarbonato no banho de diálise, tem permitido um melhor manuseio destes pacientes. A realização de sessões diárias ou seqüenciais (ultrafi ltração isolada seguida de diálise), o emprego de banho com maior concentração de sódio e cálcio e menor temperatura podem diminuir os episódios de instabilidade hemodinâmica relacionados ao procedimento.
• Fluxos, Duração, Membranas e Tampões
Na prescrição da hemodiálise aguda de manutenção sugerimos fl uxo sangüíneo de 250 a 350 ml/min e fl uxo de dialisato de 500 a 700 ml/min. A duração da sessão depende do peso corporal, da depuração do dialisador e da taxa de catabolismo (geralmente situa-se ao redor de 4 a 6 horas de tratamento). Empregam-se preferencialmente membranas biocompatíveis sintéticas ou de celulose modificada, banho com tampão bicarbonato e heparina como anticoagulante convencional. Em situações de risco de sangramento é possível a sua realização sem anticoagulante.
• Hemodiálise Intermitente Diária
É prudente que os pacientes com IRA, principalmente os oligúricos e hipercatabólicos, sejam dialisados diariamente (nível de evidência I). Esta abordagem proporciona melhor controle metabólico, evita volumes excessivos de ultrafi ltração, diminuindo assim a incidência de episódios de hipotensão arterial e, teoricamente, o agravamento da lesão renal.
TERAPIA DIALÍTICA CONTÍNUA
Há uma tendência crescente em se utilizar os procedimentos contínuos, apesar de até o momento não se ter evidências da superioridade dessas modalidades sobre a hemodiálise intermitente4-6. Instabilidade hemodinâmica, suporte nutricional e hipercatabolismo são as principais razões da indicação de procedimentos contínuos. Na vigência de situações de risco de edema cerebral, a realização de diálise contínua parece ser benéfica em relação à hemodiálise convencional, evitando-se assim variações bruscas da concentração de solutos e o risco da síndrome do desequilíbrio.
• Tipo de Acesso
Elas são denominadas de arteriovenosas quando a própria pressão arterial do paciente impulsiona o sangue pelo circuito, geralmente através da punção dos vasos femorais (artéria e veia). Na modalidade venovenosa, um cateter de duplo lume é locado numa veia calibrosa (jugular interna, femoral ou subclávia) e o sangue é impulsionado no sistema por intermédio de uma bomba (freqüentemente do tipo rolete). Na medida do possível evita-se a punção da veia subclávia devido ao risco de trombose e estenose tardias. A veia jugular interna parece proporcionar menor taxa de recirculação que o acesso femoral. As modalidades venovenosas proporcionam maior fl uxo sangüíneo e maior depuração de solutos evitando-se as complicações advindas da punção arterial. Desta forma, as modalidades arteriovenosas devem ser reservadas na indisponibilidade de equipamento ou pessoal para realização de terapia venovenosa.
• Filtros
São compostos de membranas sintéticas, biocompatíveis (indutoras de menor resposta inflamatória) e que possuem elevado coefi ciente de ultrafi ltração tais, como: polisulfona, poliacrilonitrila, poliamida e polimetilmetacrilato. Nos pacientes com IRA há algumas evidências que tais membranas devam ser utilizadas em detrimento daquelas derivadas da celulose.
• Anticoagulação
O método mais utilizado é o da heparinização convencional. Em pacientes com risco de sangramento, tanto a heparina não fracionada como a heparina de baixo peso molecular e os inibidores diretos da trombina, devem ser evitados. Nestas situações a terapia pode ser realizada sem anticoagulação, embora a vida útil do fi ltro seja freqüentemente menor que 24 horas. Uma alternativa à heparina é o emprego da anticoagulação regional com citrato. Para tanto, devem-se medir freqüentemente os níveis de cálcio iônico pós-fi ltro e sistêmico para o ajuste das taxas de infusão da solução de citrato e da reposição de cálcio sistêmico, respectivamente. Em virtude do risco de acúmulo de protamina no paciente com IRA, não se recomenda o uso de anticoagulação regional com heparina e protamina. Quando utilizar heparina de baixo peso molecular deve-se monitorar regularmente (o que é incomum) a atividade anti-fator X ativado.
Banho de Diálise
O dialisato (banho de diálise) e a solução de reposição devem possuir composição eletrolítica semelhante ao plasma ou otimizada para eventual distúrbio hidroeletrolítico e ácido-básico presentes. Portanto, se possível, a utilização de soluções individualizadas é recomendada. O emprego de soluções de diálise peritoneal, com elevadas concentrações de glicose, resulta em oferta excessiva de calorias e freqüentemente hiperglicemia. Tanto o bicarbonato como o lactato podem ser utilizados como tampão na correção da acidose metabólica enquanto que, na vigência de acidose lática e insufi ciência hepática graves, utiliza-se preferencialmente o bicarbonato. Quando se utiliza citrato como anticoagulante regional, esta substância é transformada em bicarbonato no fígado e geralmente dispensa a adição de outro tampão no dialisato.
• Dose de Tratamento
Sabe-se que em pacientes renais crônicos estáveis, há relação entre a dose de diálise e o desfecho (morbimortalidade). Alguns trabalhos mais recentes demonstraram também que tal relação existe na IRA, ou seja, elevadas doses de diálise medidas como depuração de uréia melhoram o prognóstico desses pacientes, porém não há consenso de qual seria a dose mínima de diálise nesta população.
DIÁLISE PERITONEAL
A diálise peritoneal geralmente é reservada para pacientes com catabolismo leve onde predomina a disfunção renal no contexto global. Ela é muito utilizada nos países em desenvolvimento, principalmente na IRA associada à doenças infecciosas como a malária e a leptospirose. O método dialítico é relativamente ineficiente devido à limitação do volume do efluente peritoneal. Além disso, a presença de hipotensão arterial e/ou o uso de drogas vasoativas pode alterar as característicasdo transporte da membrana peritoneal. Apesar do peritôneo ser uma membrana natural, altamente permeável e biocompatível, a diálise peritoneal, na maioria dos países desenvolvidos, é negligenciada como forma de terapêutica dialítica na IRA em decorrência de alguns fatores, tais como: depuração limitada, taxa de ultrafiltração e de remoção de solutos imprevisíveis e risco de peritonite além dos avanços tecnológicos da hemodiálise e das terapias contínuas. Soma-se a isto a mudança do perfil dos pacientes com IRA. São indivíduos mais idosos, com doenças de base mais graves, hipercatabólicos, freqüentemente com sepse e evolução para disfunção de múltiplos órgãos e sistemas. Geralmente possuem patologias intra-abdominais ou apresentam insuficiência respiratória grave o que dificulta tecnicamente a realização da diálise peritoneal. Apesar destas considerações, nos pacientes com IRA associada à infecção com leve a moderado grau de catabolismo8, a diálise peritoneal é uma opção terapêutica eficiente e economicamente viável, principalmente nos países em desenvolvimento. Recentemente, Phu e col.9 demonstraram que pacientes com IRA (a maioria associada à malária) e tratados com hemofiltração apresentaram maior sobrevida em relação ao grupo tratado com diálise peritoneal (mortalidade de 15% versus 47%, respectivamente). No grupo com diálise peritoneal utilizou-se cateter rígido, trocas manuais e sistema aberto o que poderia favorecer a ocorrência de peritonite e afetar adversamente o prognóstico desses indivíduos.

REFERÊNCIAS

01. Rangel Frausto MS, Pittet D, Costigan M et al - The natural history of the systemic inflammatory response syndrome (SIRS). A prospective study. JAMA,1995;273:117-123.

02. Shilliday IR, Quinn KJ, Allison ME - Loop diuretics in the management of acute renal failure: a prospective, double-blinded, placebo-controlled, randomizedstudy. Nephrol Dial Transplant, 1997;12:2592-2596.

03. Martin SJ, Danziger LH - Continuous infusion of loop diuretics in the critically ill: a review of the literature. Crit Care Med, 1994;22:1323-1329.

04. Kellum JA, Mehta RL, Angus DC et al - The first international consensus conference on continuous renal replacement therapy. Kidney Int, 2002;62:1855- 1863.

05. Yekebas EF, Strate T, Zolmajd S et al - Impact of different modalities of continuous venovenous hemofiltration on sepsis-induced alterations in experimental pancreatitis. Kidney Int, 2002;62:1806-1818.

06. Mehta RL, McDonald B, Gabbai FB et al - A randomized clinical trial of continuous versus intermittent dialysis for acute renal failure. Kidney Int, 2001;60:1154-1163.

07. Ronco C, Bellomo R, Homel P et al - Effects of different doses in continuous veno-venous haemofiltration on outcomes of acute renal failure: a prospective randomized trial. Lancet, 2000; 356:26-30.

08. Chitalia VC, Almeida AF, Rai H et al - Is peritoneal dialysis adequate for hypercatabolic acute renal failure in developing countries? Kidney Int, 2002;61:747-757.

09. Phu NH, Hien TT, Mai NT et al - Hemofiltration and peritoneal dialysis in infectionassociated acute renal failure in Vietnam. N Engl J Med, 2002;347:895-902.

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